guardião da ordem jurídica, na medida em que lança mão do instrumental jurídico que a Carta Política de
1988 o brindou para defender os interesses difusos e coletivos da sociedade, seguindo o princípio
hermenêutico de que ``quem dá os fins, dá os meios''.
A função institucional do Ministério Público, tal como restou definida na nova ordem
constitucional, passou a ser a de órgão extrapoderes, controlador dos Poderes tradicionais, como
defensor da sociedade frente ao Estado. E também frente aos particulares que possam atentar contra a
ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.
Frente aos poderes constituídos, o Ministério Público exercia sua atividade fiscalizadora,
emitindo parecer prévio nos processos judiciais, recorrendo das decisões que ferissem a lei, controlando a
atividade legislativa mediante a propositura da ação direta de inconstitucionalidade.
No campo da defesa da sociedade frente às agressões internas, tivemos, até a promulgação da
Carta Magna de 88, a atuação exclusiva dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal, agindo como
promotores de justiça na perseguição judicial dos crimes, através da titularidade da ação penal pública.
A inovação da ação civil pública, trazida com a edição da Lei n. 7.347/85, como instrumento
proces sual de responsabilização por danos causados ao meio ambiente, ao patrimônio artístico, histórico,
paisagístico, estético, além dos direitos do consumidor, veio a ampliar a atuação do Ministério Público
Federal e Estadual em defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade.
No entanto, como tal diploma legal teve seu inc. IV do art. 1º vetado, o qual permitia a utilização
da ação civil pública para defesa de ``outros interesses difusos e coletivos'', não pôde tal instrumento
jurídico ser utilizado no âmbito trabalhista, para defesa dos interesses coletivos das categorias
profissionais e econômicas, nem dos difusos da sociedade relativos a questões laborais.
A Constituinte de 88 veio, entretanto, devolver à Lei n. 7.347/85 toda a sua amplitude, aquela
mesma que o Poder Legislativo havia aprovado, mas que a vontade política presidencial havia estancado
através do veto. O inciso III, in fine, do art. 129 da nova Carta Política é que dá, agora, o conteúdo pleno à
lei instituidora da ação civil pública, permitindo que através dela o Ministério Público proteja também
``outros interesses difusos e coletivos'' além dos expressamente mencionados.
Como o texto constitucional atribui, além disso, a legitimidade para promover a ação civil pública
indistintamente a todo o Ministério Público, tanto da União como dos Estados, temos que o remédio
judicial passa a poder ser utilizado por qualquer dos ramos da Instituição, guardadas as respectivas áreas
de atuação.
Assim, passou a ter foros de cidadania a ação civil pública trabalhista, precedida do inquérito
civil, como meio processual de defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade no âmbito das
relações laborais. E dela começa a fazer uso o Ministério Público do Trabalho, tanto através das
Procuradorias Regionais, quanto da Procuradoria-Geral.
Trata-se de mais um passo na modernização do Direito Processual, com o reconhecimento dos
interesses coletivos e difusos da sociedade e da necessidade de soluções abrangentes para as questões
sociais de caráter homogêneo.
Com efeito, sob o prisma da superação da dicotomia clássica entre interesse público e interesse
privado, vislumbramos uma série nova de interesses a serem protegidos mediante o direito de ação: a)
interesses individuais, relativos às pessoas físicas ou jur ídicas consideradas na sua individualidade; b)
interesses grupais ou coletivos, comuns a uma determinada coletividade, impondo soluções homogêneas
para a composição de conflitos; c) interesses difusos, que dizem respeito a pessoas cuja identificação é
impossível, dada a amplitude do bem jurídico a ser guarnecido, desfrutável potencialmente por parcela
considerável da sociedade; e d) interesses gerais ou sociais, que se referem diretamente a toda a
sociedade.
Assim, na posição intermediária entre os interesses individuais e os gerais estão os interesses
coletivos e difusos, que são justamente aqueles protegidos através da ação civil pública, tal como
estampado no texto constitucional.
A diferenciação entre os interesses coletivos e os difusos tem por base a maior abrangência
destes últimos, onde o universo de pessoas afetadas pelo ato lesivo não é passível de determinação,
enquanto que, em relação aos interesses coletivos, há uma coletividade concreta e determinável ligada
aos bens jurídicos em disputa.
Sendo os interesses coletivos aqueles de classe ou de grupo, cabe às entidades de classe,
associações e organizações sindicais defender judicialmente, através dos instrumentos processuais que a
Constituição e as leis ordinárias lhes conferem, como o mandado de segurança coletivo, a ação direta de
inconstitucionalidade, o dissídio coletivo e as reclamações trabalhistas.
Já no caso dos interesses difusos, a impossibilidade de determinação da coletividade afetada por
determinado ato lesivo, dado que o bem jurídico em jogo interessa potencialmente a toda a sociedade,
aparece o Ministério Público como órgão encarregado de seu resguardo.
Como a Constituição ampliou a gama de interesses a serem defendidos pela ação civil pública,
incluindo também os coletivos, temos que, na esfera dos interesses coletivos, em matéria trabalhista,
caracterizada fica a legitimidade concorrente dos sindicatos e do Ministério Público para defendê-lo
judicialmente. O que distingue, no entanto, a atuação de ambos é o prisma sob o qual os interesses
coletivos são defendidos: enquanto os sindicatos defendem os trabalhadores protegidos pela ordem
jurídica trabalhista, o Ministério Público do Trabalho defende a ordem jurídica protetora dos interesses
coletivos dos trabalhadores.
Portanto, o Ministério Público do Trabalho, no âmbito das relações laborais, tem legitimidade
ativa para defender os interesses coletivos dos trabalhadores e empregadores, e difusos da sociedade,
utilizando-se, para isso, da ação civil pública, que pode ser precedida, ou não, de inquérito civil para a
apuração de fatos.
Podemos mencionar, entre outros, tendo em vista atuações concretas do Ministério Público do
Trabalho, os seguintes casos de inquéritos e ações civis públicas promovidas ultimamente: a) locação de
mão-de-obra fora das hipóteses legais de serviço temporário (Lei n. 6.019/74) e de vigilância (Lei n.
7.102/83), espoliando de seus direitos laborais os trabalhadores que prestam serviços nessas condições,
além de impedir todas aquelas pessoas, que poderiam ser contrata das efetivamente, de obterem um
emprego permanente; b) exigência de atestados de esterilização para contratação de mulheres; c)
assinatura em branco de pedidos de demissão, quando da contratação, com finalidade de descaracterizar
a despedida imotivada, quando não mais interessar à empresa a manutenção do empregado; d) não
recolhimento dos depósitos para o FGTS; e) adoção de medidas discriminatórias, muitas vezes
constantes do próprio regulamento empresarial (não concessão de licenças, perda de gratificações ,
descomissionamentos e impossibilidade de eleição do período de férias), contra empregados que ajuízem
reclamações trabalhistas na Justiça; f) utilização de trabalho escravo, no meio rural, sem pagamento de
salários e com proibição de saída do local; etc.
Sempre que determinado procedimento patronal, por seu caráter genérico, atente contra direitos
trabalhistas, haverá campo para utilização da ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho, como
forma de cortar o mal pela raiz, em vez de se permitir a multiplicação das ações individuais, daqueles que
se viram lesados pelos procedimentos mencionados, abarrotando a já assoberbada Justiça do Trabalho.
Vemos, assim, como o Ministério Público do Trabalho vai redirecionando sua atuação, no sentido
de tornar realidade a proteção e defesa que deve à sociedade, no campo das relações trabalhistas,
promovendo os inquéritos civis e ajuizando as ações civis públicas, de forma a possibilitar o resguardo
daqueles interesses que, de outra forma, restariam desguarnec idos.
O próximo passo, esperamos, será o da utilização do inquérito civil e da ação civil pública como
instrumento de responsabilização no campo das greves, de forma a preservar os interesses da sociedade
frente à utilização abusiva do direito de greve, pois o objetivo maior do Ministério Público é zelar pelo
respeito à ordem jurídica e não por interesses específicos de empregados ou patrões.
Revista do ministério público do trabalho, 2º sem, set. 1992. Disponível em
Ives Gandra da Silva Martins Filho
Subprocurador-Geral do Trabalho, Mestre em Direito Público pela
UnB e Coordenador da Comissão Editorial da ``Revista do Ministério Público do Trabalho''.
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