de 1993.
Alguns constitucionalistas têm defendido a tese de que esta reforma apenas se poderia realizar
após o resultado do plebiscito e à luz da decisão popular que optará entre a monarquia e a república,
assim como entre o presidencialismo e o parlamentarismo, limitando-se a adequar o texto constitucional à
forma e ao regime de governo que resultarem aprovados nesse plebiscito1.
O argumento isolado de tal corrente reside em vir o art. 3º do ADCT depois do art. 2º, este
fazendo menção ao plebiscito e aquele à revisão constitucional2.
Em que pese o respeito pelos que defendem tal postura, inequivocamente minoritária, não me
parece deva a revisão constitucional limitar-se a estes dois pontos objeto do plebiscito.
De início, por serem ambos os artigos de origem diversa. O art. 2º saiu do trabalho isolado e
persistente do deputado Cunha Bueno, que encontrou, na fórmula original, maneira inteligente de
contornar a cláusula pétrea constante do art. 47, § 1º da EC n. 1/69, assim redigido:
``Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a
República''.
Partindo do princípio de que seria a Constituição de 1988 um Poder constituinte originário - que
não era - houve por bem defender a tese de que não estaria, o Colégio Constitucional de 1988, submetido
à ordem suprema pretérita, razão pela qual poderia alterar não só a Federação, quanto a República3.
(*) Ives Gandra da Silva Martins - Professor Titular de Direito Econômico e de Direito Constitucional da
Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e
da Academia Paulista de Letras.
1 ``É equivocado pensar que os parlamentares agora eleitos são `como constituintes'. O
desconhecimento da ciência do Direito constitucional é que permite tal equívoco. Isso, aliás, interessa aos
extremistas de direita e de esquerda, que saíram perdendo com a Constituição de 1988'' (Geraldo Ataliba,
``Tribuna do Advogado'', OAB-RJ, pág. 260, jan/1991).
2 OSCAR CORRÊA escreve: ``Na mesma linha, artigo de PAULO BONAVIDES, afirma que: `A
Constituição de 1988 é inçada em seu conteúdo de erros e falhas, mas nem por isso, no intento de
removê-los, se há de proceder em desobediência aos cânones da ordem jurídica em vigor, seguindo
caminhos políticos de oportunismo manifestamente inconstitucional, quais aqueles que estariam sendo
palmilhados se ex cedêssemos os limites materiais e procedimentais dos arts. 2º e 3º do ADCT da Lei
Maior'.
Fora da resposta plebiscitária, `nada poderá ser votado sobre matéria de emenda à Constituição,
em contravenção do requisito constitucional dos três quintos dos votos. E conclui: ``...Em suma, a
Constituição separa nitidamente as figuras da revisão e da emenda - a primeira só existe para a finalidade
expressa no Ato daquelas Disposições; é por isso mesmo transitória e tem um conteúdo material
rigidamente limitado e inalterável, especificado nos termos inequívocos do art. 2º.
Enquanto à segunda, o poder da emenda, este pertence ao corpo da Constituição, é permanente e atua
num espaço que só encontra diques à deliberação nos quatro itens do § 4º do art. 60 da Constituição ''' (A
Constituição de 1988 - ``A Contribuição Crítica'', Forense Universitária, 1991, págs. 25/26).
3 A equipe da Price Waterhouse assim comenta o dispositivo: ``A Constituição Federal, através da norma
supra, fez a única previsão concreta em seu texto de realização de um plebiscito, cuja instituição
constitucional se deu através do art. 14, I, como expressão da soberania popular.
O plebiscito foi concedido com o objetivo determinado de definir a forma de governo entre
república ou monarquia constitucional, bem como decidir entre os sistemas presidencialista ou
parlamentarista de governo.
É de muita importância o dispositivo supra, pois é instrumento que outorga uma inquestionável
legitimidade à forma e ao sistema de governo de nosso país, pois os vigentes, quando da promulgação
dessa Constituição, não passaram pelo crivo direto dos governados desde que instituídos.
Entretanto, nota-se que, pelo disposto no art. 2º, a rigor, poderá ser concretizada, em nosso país, uma
atípica estrutura de Estado, pela forma monárquico-constitucional de governo, ao lado de um sistema
presidencialista. Atípica, mas não incompatível, posto que a monarquia referida no texto é a
constitucional, onde há harmonia e paridade nas atribuições dos governantes. Contudo, caso isto venha a
A tese não me parece correta, visto que a Constituição de 1988 não decorre de um poder
originário de ruptura institucional, mas da convocação, nascida por força de Emenda Constitucional à
Constituição de 1967, de número 26. À evidência, não podendo, o Poder Constituinte, derivado anterior,
atribuir mais forças do que tinha, não poderia ofertar à Constituinte poder capaz de alterar o que a própria
emenda, que convocara a Assembléia Nacional Constituinte, não tinha, isto é, o de modificar as cláusulas
pétreas do art. 47, § 1º.
Assim sendo, ao meu ver, as cláusulas pétreas anteriores não poderiam ser modificadas na
Constituição de 1988, de rigor, uma emenda semelhante àquela de n. 1/69, e que deveria ter tido a
enumeração de Emenda Constitucional n. 28/884.
O certo é que a experiência mundial tem demonstrado que as cláusulas pétreas são tão
vulneráveis quanto as cláusulas não pétreas, razão pela qual não foi respeitado o comando do art. 47, §
1º da EC n. 1/69 5.
Em defesa da proposta do deputado Cunha Bueno, que apesar de isolada, recebeu fantástico
apoio dos congressistas com poderes constituintes (quase 500 assinaturas da ``esquerda'' e da ``direita''),
está o fato de que a decisão será do povo e a soberania popular será exercida da forma mais pura
possível, que é a decisão de cada cidadão na escolha do sistema ideal.
ocorrer, o sistema monárquico-presidencialista terá que sofrer adaptações para seu funcionamento
adequado; algumas necessariamente inusitadas, para que a convivência de duas autoridades
constitucionais não gere conflitos políticos que paralisem a administração pública ou a política nacional''
(``A Constituição do Brasil 1988'', Price Waterhouse, 1989, pág. 858).
4 Os 4 artigos da EC n. 26/85 tinham a seguinte dicção: ``Art. 1º Os membros da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia Nacional Constituinte, livre e
soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.
Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá
a sessão de eleição do seu Presidente.
Art. 3º. A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e
votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Nacional Constituinte.
Art. 4º. É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e
militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares''.
5 CELSO BASTOS assim ensina: ``As limitações materiais são as proibições de emendas referentes a
determinados objetos ou conteúdos, questões de fundo e não formais. Podem ser explícitas e implícitas.
No primeiro caso, elas se exteriorizam nas chamadas `cláusulas pétreas' expressas, as quais retiram da
área reformável as matérias nelas designadas, tais como a forma de governo, a organização federativa,
os direitos humanos e a igualdade de representação dos Estados no Senado. Esta última hipótese é
ilustrada pelo art. V da Constituição dos Estados Unidos e pelo art. 90, § 4º da Constituição Brasileira de
1891. A proibição de mudança da forma republicana de governo foi estabelecida na Lei Constitucional
francesa de 14 de agosto de 1884, art. 2º, e reproduzida na Constituição de 1946, art. 95, e Constituição
de 1958, art. 89. A mesma proibição consta de todas as Constituições brasileiras republicanas, sem falar
da de 1937, que não chegou a ser praticada na sua quase-totalidade. Todas elas também proíbem
emendas tendentes a abolir a Federação. A Lei Fundamental de Bonn proíbe emenda aos arts. que
estabelece a Federação, os direitos fundamentais do homem e a forma de governo democrático (art. 79,
al. 3).
Sem embargo de serem as cláusulas pétreas freqüentemente inseridas no texto constitucional, muitos
publicistas as combatem, tachando-as de inúteis e até contraproducentes. Entre estes, o jurista argentino
JORGE REINALDO VANOSSI alinha uma série de argumentos contra elas, declarando serem os
principais: a) a função essencial do poder reformador é a de evitar o surgimento de um poder constituinte
revolucionário e, paradoxalmente, as cláusulas pétreas fazem desaparecer essa função; b) elas não
conseguem se manter além dos tempos normais e fracassam nos tempos de crise, sendo incapazes de
superar as eventualidades críticas; c) trata-se de um `renascimento' do direito natural perante o
positivismo jurídico; d) antes de ser um problema jurídico, é uma questão de crença, a qual não deve
servir de fundamento para obstaculizar os reformadores constituintes futuros. Cada geração deve ser
artífice de seu próprio destino; e) argumento de BISCARETTI: admite-se que um Estado pode decidir sua
própria extinção; `não se compreende porque o Estado não poderia, então, modificar igualmente em
forma substancial seu próprio ordenamento supremo, ou seja, sua própria Constituição, ainda atuando
sempre no âmbito do direito vigente'. Por esses motivos VANOSSI conclui pela inutilidade e relatividade
jurídica das cláusulas pétreas expressas. Sua virtualidade jurídica se reduz a zero nas seguintes
hipóteses: a) a cláusula proibitiva é desrespeitada e a reforma do conteúdo proibido torna-se eficaz, com
vigência perante os órgãos do Estado e acatamento comunitário; b) superação revolucionária de toda a
Constituição, em que desaparece a própria norma proibitiva; c) derrogação da norma constitucional que
estabelece a proibição, mediante procedimento regular, e ulterior modificação do conteúdo proibido''
(``Comentários à Constituição do Brasil'', 1º vol., Ed. Saraiva, 1988, págs. 156/157).
Acresce-se que a decisão popular terá maior legitimidade que a cláusula pétrea colocada na EC
n. 1/69, nitidamente uma lei suprema imposta e não originária de amplo debate constituinte.
A verdade, todavia, é que o artigo 2º do ADCT não tem qualquer ligação com o art. 3º, cuja
inspiração imediata é o direito português.
Que determinam os referidos artigos? Reproduzo os dois:
``Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma
(república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamento ou presidencialismo) que
devem vigorar no país.
§ 1º. Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e sistemas, através dos
meios de comunicação de massa cessionários de serviço público.
§ 2º. O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição, expedirá as normas
regulamentadoras deste artigo''.
``Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após 5 anos, contados da promulgação da
Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão
unicameral.''
O art. 3º faz clara referência a uma revisão ampla da Constituição, que se dará, não em 5 de
outubro de 1993, mas a partir de 5 de novembro. Sua matriz encontra-se na Constituição Portuguesa.
Esta permitiu uma primeira revisão passados 5 anos, tendo a Assembléia portuguesa iniciado seus
trabalhos alguns meses após aquele período, concluindo-os quase um ano depois.
A solução portuguesa - albergada pelos constitucionalistas brasileiros - partiu do princípio de que
a revolução, ocorrida em 25 de abril de 1974, que terminou com a alteração profunda no sistema de
governo português e na reintrodução da democracia naquele país, após a substituição de vetusto regime
de exceção, de índole não marxista, por um outro sistema de exceção marxista, deveria ter solução
natural na busca de um texto mais consolidado e mais autêntico, após 5 anos de experiência com o direito
anterior6.
Ver entrelinha
De certa forma, o fenômeno brasileiro trilhou estrada semelhante. O regime de exceção brasileiro
tinha sido esmaecido com os dois últimos governos militares, como o regime português, após a morte de
6 OSCAR CORRÊA, ao analisar esta interpretação, ensina: ``Gostaríamos de poder concordar com os
eminentes professores que, quanto a alguns princípios hermenêuticos, fazem afirmações de todo
procedentes.
Não nos parece, contudo, e embora não `extremista de direita ou de esquerda' ... seja esta a
exata exegese dos textos, também em obediência a princípios hermenêuticos não menos ponderáveis.
Primeiro, o art. 3º do ADCT refere textualmente: `a revisão constitucional será realizada após 5
anos ...', e esse artigo não é § do art. 2º, como faz crer a interpretação dos eminentes mestres e, como
seria lógico, se se tratasse apenas de alterar o texto em virtude do resultado do plebiscito do art. 2º, que
dele cuida.
Artigo autônomo, refere-se à revisão constitucional e, na tradição constitucional brasileira, pode
dizer-se que a reforma é gênero, de que são espécies a revisão e a emenda, esta parcial, restrita, e
aquela geral, ampla.
3.4. A Constituição de 1891 aludia apenas à reforma (art. 90) e em 1926 sofreu revisão ampla. A
de 1934 distinguia emenda quando a proposta não modificasse a estrutura política do Estado, a
organização e competência dos poderes da soberania etc.; e revisão, no caso contrário (art. 178). A de
1946 só cuidava de emenda (art. 217), bem como a de 1967 (art. 49) e a EC n. 1/69 (art. 46).
A de 1988, no texto (arts. 59, I e 60) só prevê a emenda e, no art. 60, § 4º, estabelece as
vedações à proposta de emenda. No ADCT, art. 3º, porém, refere-se à revisão constitucional. Se se
tratasse apenas de emenda quanto à forma e sistema de governo - tê-lo-ia dito.
3.5. A propósito, não podem ser estranhas ao exame as influências da Constituição portuguesa
quando da elaboração do texto. Prefixou ela sua revisão para a partir de 15.10.1980, e assim se fez,
como diz JORGE MIRANDA, `em longo processo que se desenrolaria entre 23 de abril de 1981 (data do
primeiro projeto) e 12 de agosto de 1982 (data da votação final global do decreto de revisão)'.
E revisão `bastante extensa trouxe modificações à maior parte das disposições constitucionais'
etc., portanto, de larga profundidade e amplitude, como esclarece o ilustre mestre português em
enumeração exaustiva.
3.6. Ora, precisamente este o modelo que o constituinte brasileiro teve em mira. E se se reconhece que a
mens legislatoris não conduz o exame do hermeneuta - por isso que a lei, promulgada, se desprende do
pensamento que inspirou o legislador - verdade é que, ao redigir o texto, o legislador fixou essa
orientação, em palavras de sentido próprio, que não podem igualmente ser alteradas pelo intérprete, só
porque não lhe parece conveniente, ou não lhe agrada a orient ação'' (ob. cit., págs. 26/27).
Oliveiros Salazar. A transição se fizera, no país, de forma menos traumática que em Portugal, mas com
nítida predominância dos grupos pró-marxistas, nada obstante com virulência menor do que em terras
lusitanas, talvez por força do choque menos dramático entre as estruturas repressivas no país,
abrandadas a partir de 1973, e aquelas do longo período de ditadura, que mantivera sob regime de
rigoroso controle, os lusos, durante 50 anos7.
Tanto Portugal, pois, quanto o Brasil, por seus representantes constituintes, entenderam que a
alteração que pretendiam provocar era de tal dimensão, que a revisão ampla do texto constitucional
deveria ser realizada, após a experiência qüinqüenal, de ``praxis'' democrática, com a possibilidade de
retificação definitiva do texto, para que, escoimada de seus defeitos, pudesse a Constituição atender
todas as aspirações nacionais8.
Como se percebe, duas origens diversas para os dois dispositivos a demonstrar, claramente, sua
desvinculação absoluta. Cada dispos itivo teve uma matriz e objetivou uma finalidade. E, à evidência, seu
tratamento teria que ser diverso. Por esta razão é que, para o art. 2º, o plebiscito é instrumento jurídico
determinado pelo constituinte, enquanto que o quorum simplificado da maioria absoluta é aquele imposto
pelo art. 3º, isto é, menor do que o mencionado no art. 60, assim redigido:
``A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I. de 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II. do Presidente da República;_
7 CANOTILHO, rememora, entretanto, que: ``A não ser no Preâmbulo, a Constituição de 1976 não fazia
qualquer alusão expressa a Estado de direito. No articulado encontrava-se a fórmula legalidade
democrática. Depois da revisão de 1982, a fórmula ``Estado de direito democrático'' encontra-se já no art.
2º e no art. 9º/b.
A recusa da caracterização do Estado como um Estado de direito assentou no caráter
ambivalente e equívoco da idéia de Estado de direito. Uns, notara já ENGELS, pensavam no Estado de
direito como ``expressão idealizada da sociedade burguesa''; outros julgavam que, através da idéia de
Estado de direito, conseguiriam travar a tendência rasgadamente conformadora (social e econômica) do
Estado; outros ainda, não se af astavam, muito das concepções místicas, vendo no Estado de direito a
manifestação da ``idéia fundamental do direito, que está inscrita na alma'' (E. V. HIPPEL).
É historicamente correcto afirmar que a idéia do Estado de direito serviu para acentuar
unilate ralmente a dimensão burguesa de defesa da esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos. Só que, uma
coisa é a demagogia do Estado de direito e a idéia inaceitável de um ``Estado de direito em si'', e outra a
idéia de um Estado de direito, intimamente ligada aos princípios da democracia e da sociedade. Nessa
perspectiva, a idéia de Estado de direito pode transportar um ideário progressista. A mundividência
constitucional que hoje se colhe vem demonstrar isto mesmo: a utilização do princípio do Estado de
direito, não como ``cobertura'' de uma forma conservadora de domínio, mas como princípio constitutivo da
juridicidade estadual democrática e social (ABENDROTH).
Além de estar expressamente consagrado na Constituição, o princípio do Estado de direito tem vindo a
ser aplicado pela jurisprudência constitucional portuguesa como um princípio geral dotado de um ``mínimo
normativo'' capaz de fundamentar autonomamente direitos e pretensões dos cidadãos. A forma normativa
deste princípio tem potencialidades suficientes para justificar, por ex., a declaração, pelo Tribunal
Constitucional, com força obrigatória geral, de um decreto-lei retroativo (cf. Ac. TC n. 93/84, DR, 1,
16.11.1984)'' (``Direito Constitucional'', 5ª ed., Livr. Almedina, Coimbra, 1991, págs. 373/374).
8 WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA assim lembra o art. 3º do ADCT: ``Este artigo é cópia do disposto
no art. 296 da Constituição da República Portuguesa que diz: ``A Assembléia da República pode rever a
Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação de qualquer lei de revisão''. Este artigo
consta da primeira revisão de 1982. Anteriormente, a Constituição Portuguesa, aprovada pelo plebiscito
nacional de 19 de março de 1933 e em vigor desde 11 de abril do mesmo ano, modificada pelas Leis ns.
2.048 e 2.100, respectivamente de 11 de junho de 1951 e 29 de agosto de 1959, dispunha no art. 176: ``A
Constituição poderá ser revista de dez em dez anos, contados desde a data da última lei de revisão,
tendo para esse efeito poderes constituintes, a Assembléia Nacional, cujo mandato abranger o último ano
do decênio ou as que lhe seguirem até ser publicada a lei de revisão''.
Mas, o que é revisão constitucional?
Pelo que se entende no disposto neste artigo, é o exame de todo o texto constitucional para a
sua adequação à situação então vigente.
Há que se partir do princípio que inexistem regras jurídicas imutáveis e perenes. Elas são feitas
pelo homem, que já não têm por si só, vida eterna. As regras jurídicas feitas pelos homens são as
melhores enquanto feitas para eles.
Segundo PONTES DE MIRANDA (959) reforma e revisão são sinônimos. Segundo o mesmo autor,
reforma ou revisão pode ser total, se ao poder reformador (Constituinte de segundo grau) é dado, no
momento, mudar todas as regras jurídicas constitucionais; ou parcial, se só se lhe conferiu mudar alguma
regra jurídica ou algumas regras jurídicas. Tem-se chamado à reforma parcial, emenda...'' (``Comentários
à Constituição de 1988'', vol. 3, Ed. Julex Livros, 1989, pág. 1.190).
III. de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestandose,
cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de
defesa ou de estado de sítio.
§ 2º. A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, 3/5 dos votos dos respectivos membros.
§ 3º. A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I. a forma
federativa de Estado; II. o voto direto, secreto, universal e periódico; II I. a separação dos Poderes; IV. os
direitos e garantias individuais.
§ 5º. A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode
ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa''9.
E aqui cabem algumas considerações sobre o referido artigo, de rigor, a razão de ser do
presente estudo.
O art. 60 não permite que sejam propostas emendas constitucionais destinadas a abolir os
quatro incisos do § 4º.
De início, a questão, que se coloca, é de saber se apenas emenda constitucional não poderia ser
apresentada sobre as quatro matérias mencionadas no referido inciso ou, também, a revisão
constitucional dele não poderia cuidar10.
Respondo pela primeira formulação. O constituinte fala apenas em emenda e não em revisão
constitucional. Ora, se fala em emenda, à nitidez, restringe as cláusulas pétreas, mencionadas nas 4
hipóteses, à veiculação decorrente de singela emenda constitucional.
Deve-se lembrar que o art. 60 fez menção ao ``procedimento permanente'' de alteração
constitucional por emenda, seja no que concerne à forma de apresentação, seja no que concerne à forma
de aprovação, além de exteriorizar os assuntos a respeito dos quais tal proposta não pode ser
examinada11.
9 JOSÉ CRETELLA JR. comenta o dispositivo dizendo: ``O poder de emenda da Constituição é tratado
no art. 60, incs. I a III e §§ 1º a 5º, subdividindo -se o § 4º em quatro incisos. O tema é mais que
centenário, em nosso direito constitucional positivo, remontando à Carta Política do Império, de 1824.
Nada, no mundo, e no mundo jurídico, é eterno. Menos eternas, ainda, as leis que, ao serem
promulgadas, já principiam a afastar-se da realidade. Assim como os legisladores, houve constituintes
que, ao elaborarem constituições não se lembraram dos institutos da ``emenda'', da ``reforma'', da
``revisão'', esquecidos de que ``nada é eterno''. Sic transit gloria mundi. ``Constituição'' que não sofre
emenda, envelhece, já que, promulgada, começa a distanciar-se da realidade. A Constituição dos
Estados Unidos da América do Norte, além de compor-se de poucos artigos, admite ``emendas'' e, por
isso, perdura, ajustando-se às exigências do momento. Há, nas Constituições, a parte constante, o
``núcleo inalterável'', que se vai mantendo, quando surge nova Constituiç ão. Assim, a
``representatividade'' tem sido, no Brasil, o ``núcleo inalterável'', desde o Império. ``Pelo elemento
representativo oferece a nossa forma política uma nova e válida garantia à sociedade brasileira''
(``Comentários à Constituição 1988'', vol. V, Ed. Forense Univr., 1991, pág. 2.722).
10 WALTER CENEVIVA esclarece: ``Há assuntos que sequer podem ser objeto de deliberação. Na
proibição estão envolvidos os que, sob propostas de emenda constitucional, evidenciem tendência a
abolir:
a) a forma Federativa do Estado (art. 1º);
b) o voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14, § 1º);
c) separação dos Poderes (art. 2º);
d) direitos e garantias individuais (art. 5º).
Rejeitada a proposta de emenda ou considerada prejudicada sua apreciação, por qualquer motivo, não
pode ser repetida, na mesma sessão legislativa, ainda que redigida de forma diversa, mas tenha em mira
a realização do mesmo objetivo'' (``Direito Constitucional Brasileiro'', Saraiva, 1989, pág. 165).
11 JOSÉ CARLOS GAL GARCIA esclarece ainda que há emendas constitucionais de iniciativa popular:
``A iniciativa popular que estende aos cidadãos e entidades da sociedade civil a proposta de emenda
constitucional equivale a um novo grau na evolução da instituição política representativa, em que as
relações entre representantes e representados se enriquecem pela dinâmica de uma permanente
colaboração, tornando eficaz, ao máximo, a expressão da vontade popular. Não obstante o silêncio do art.
60, entende-se que ex vi do inc. III do art. 14 é ela viável'' (``Linhas Mestras da Constituição de 1988'',
Saraiva, 1989, pág. 106).
Desta forma, o § 4º refere-se apenas ao que exposto está no art. 60 e ao tipo de emenda
regulado pelo referido dispositivo. Não há qualquer menção a que o artigo 3º das Disposições Transitórias
deva também estar limitado às citadas cláusulas pétreas, seja por cuidar de revisão constitucional e não
de emenda, seja por independer de processo de apresentação a que se refere o art. 60, seja ainda
porque o quorum de aprovação distinto também é. Em outras palavras, a alteração da Constituição
poderá ocorrer nos termos do art. 60 ou nos termos do art. 3º do ADCT, com proc edimentos diversos,
campos de abrangência diversos e quorum de aprovação também diverso. Vale dizer, objetivou o
constituinte deixar claro que a ``emenda'' não é uma ``longa manus'' do constituinte de 1988, mas técnica
de modificação da Constituição decorr ente de sua aplicabilidade e da conjuntura no país. Por outro lado,
a revisão constitucional dar-se-á por força da continuidade do processo constituinte de 1988, cujos
representantes entenderam útil a pretendida revisão, após 5 anos de aplicação do novo texto. A revisão
dá continuação à intenção constituinte de reforma. A emenda apenas permite que, em face da
conjuntura, o texto constitucional não se transforme em um texto pétreo, mas adaptável às circunstâncias
em que se envolve o país. Por esta razão, o quorum qualificado se impõe para as propostas de emenda,
e a simples ``maioria absoluta'', para a revisão constitucional desejada e prevista expressamente pelo
constituinte de 88.
À luz de tais argumentos não entendo que as limitações do § 4º sejam estendidas à revisão
constitucional12.
Na mesma linha, considero outro problema que decorre de tal colocação, qual seja o de saber se
a cláusula pétrea vedaria apenas a abolição definitiva de institutos e direitos elencados no § 4º do art. 60
ou se também impediria a singela suspensão dos mesmos. Em outras palavras: se pretender o
Congresso suspender a vigência dos institutos mencionados nos incs. I a IV do art. 60, poderia fazê-lo,
visto que não estaria abolindo os institutos, mas apenas tirando-lhes a eficácia temporária?
Creio que tal interpretação não pode prevalecer. Fosse esta a intenção do constituinte e, à
evidência, as cláusulas pétreas de revisão perderiam seu sentido de preservação de conquistas, posto
que a repetição de suspensões temporárias poderia gerar, na prática, a abolição dos institutos
mencionados.
Acresce-se fato de relevância. A própria Constituição prevê os mecanismos de suspensão de
alguns dos institutos mencionados, como no art. 34 ou nos artigos que cuidam da defesa de Estado13.
Vale dizer, as possibilidades de suspensão de direitos encontram-se reguladas na própria
Constituição, seja nos casos de intervenção, seja em caso de estado de defesa ou de sítio14.
12 PINTO FERREIRA diverge, ensinando: ``As Constituições não são obras eternas e permanentes; têm
ao contrário a necessidade de ajustamento e adaptação às novas condições sociais e históricas. Como
disse MAX na ``Crítica ao programa de Gotha'', o direito é o produto do desenvolvimento econômico da
civilização. A Constituição e direito em geral dependem, pois, desse condicionamento econômico e sóciocultural,
que os penetra e modifica.
Daí a necessidade da reforma constitucional. A reforma, revisão ou emenda da Constituição é a
modificação do texto das leis constitucionais vigentes até o momento.
Em uma concepção ampliativa, reforma, revisão ou emenda da Constituição são conceitos que
se identificam. Esta tese, exposta em nossas duas obras ``Da Constituição'' (1946) e ``Princípios Gerais
de direito constitucional moderno'' (1948), a que se remete o leitor para maior debate do problema, foi
contestado pelo eminente prof. Paulino Jacques em seu Curso de direito constitucional, mas a nosso ver
improcedentemente.
Debatendo o problema dos conceitos de emenda, revisão e reforma, escreve com razão a respeito
ALCINO PINTO FALCÃO, em sua Constituição anotada (Rio de Janeiro, 1957, vol. 3, pág. 232): ``Essa
questão é tão-somente de nomenclatura: não modifica a substância e não significa nada quanto ao
alcance do poder de reforma. O próprio atual art. 217, que no caput se refere à emenda, já no § 5º prevê
a reforma da Constituição. O problema se apresenta também para os norte-americanos; o respectivo art.
V só se refere a amendment, mas a doutrina esclarece que o termo abrange as revisions. Assim,
WILLIAM ANDERSON e EDWARD W. WEIDMER: `In the Constitution itself there is definite provision for
later amendments and revisions of the document''' (``Curso de Direito Constitucional'', 5ª ed., Saraiva,
1991, pág. 383).
13 O art. 34 da CF tem a seguinte dicção: ``A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,
exceto para: I. manter a integridade nacional; II. repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da
Federação em outra; III. pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV. garantir o livre
exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V. reorganizar as Finanças da unidade
da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de 2 anos consecutivos, salvo
motivo de força maior; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição,
dentro dos prazos estabelecidos em lei; VI. prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII. assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema
representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação
de contas da administração pública, direta e indireta''.
Ao utilizar, pois, o vocábulo ``abolir'' quis dizer ``impedir'', mesmo que temporariamente, o
exercício dos direitos e institutos lá apresentados.
Desta forma, claramente o constituinte impediu que houvesse ``abolição temporária'' das
matérias reguladas no § 4º, com o que qualquer emenda tendente a afastá-las seria inconstitucional.
Dois últimos pontos merecem perfunctória análise. Falo da possível antecipação do plebiscito
para a aprovação ou não do regime parlamentar e do leque de direitos e garantias individuais
modificáveis. Esta última questão comporta complemento para analisar se os direitos dos funcionários são
direitos ou privilégios contra a sociedade.
É o que passo a examinar.
Não vejo porque a discussão sobre os sistemas de governos não possa ser objeto de uma
emenda constitucional para antecipar o plebiscito. Não entendo haja qualquer inconstitucionalidade na
antecipação do plebiscito, posto que que não há qualquer impedimento que emenda neste sentido possa
ser apresentada e deliberada15.
14 Os arts. 136 e 137 da CF possuem o seguinte discurso: ``Art. 136. O Presidente da República pode,
ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para
preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz
social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de
grandes proporções na natureza.
§ 1º. O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração,
especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a
vigorarem, dentre as seguintes: I. restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das
associações; b) sigilo de correspondência; c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica; II. ocupação e
uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União
pelos danos e custos decorrentes.
§ 2º. O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser
prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
§ 3º. Na vigência do estado de defesa: I. a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo
executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não
for legal, facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial; II. a comunicação
será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de
sua autuação; III. a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a 10 dias, salvo
quando autorizada pelo Poder Judiciário: IV. é vedada a incomunicabilidade do preso.
§ 4º. Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de 24
horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria
absoluta.
§ 5º. Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no
prazo de 5 dias.
§ 6º. O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de 10 dias contados de seu recebimento,
devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa.
§ 7º. Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa.
Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de
Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos
de: I. comoção grave de repercurssão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de
medida tomada durante o estado de defesa; II. declaração de estado de guerra ou resposta à agressão
armada estrangeira.
Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou
sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por
maioria absoluta''.
15 Escrevi: ``O parlamentarismo é, por excelência, o sistema de governo representativo, posto que toda a
sua conformação foi plasmada a partir das conquistas populares de co-participação, no excelente
laboratório em que a Inglaterra se transformou, por muitos séculos, para a experiência democrática.
O sistema parlamentar de governo propicia a plenitude de tal exercício, visto que todas as
correntes de pensamento nacional podem ser representadas nas Casas Legislativas, permitindo, por
outro lado, que, nas composições que se fazem necessárias para a formação de Gabinetes, os
parlamentares, escolhidos pelo povo, exerçam sua força de representação, na indicação, participando e
controlando o Gabinete encarregado de governar o país.
Os governos de um homem só, assim como aqueles originários das absolutas e despóticas
monarquias ou ditaduras, não podem conviver com o sistema parlamentar, visto que, neste, a
representatividade popular é essencial e não naqueles.
O presidencialismo, ao contrário, surge - nos modelos conhecidos, exceção feita à solução
americana, que se constitui em um parlamentarismo presidencial - como versão atual das monarquias
absolutas do passado.
A prova inequívoca é a de que não afeta, tal antecipação, nenhuma das cláusulas pétreas
apresentadas pelo constituinte. Nem se diga que o parlamentarismo aboliria a separação dos poderes,
posto que os três poderes continuarão existindo, apenas passando o Executivo a ser eleito pelo
Legislativo. Não havendo impedimento, entendo que possa o plebiscito ser antecipado à luz do que
dispõe o art. 60.
O segundo aspecto diz respeito aos direitos e garantias individuais. Reza o § 2º do art. 5º que:
``Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte''.
A sua leitura poderá levar o intérprete a entender que o espectro de tais direitos e garantias é
ilimitado e, sob certo aspecto, terá razão. De rigor, todavia, os direitos e garantias individuais a que se
refere o constituinte, são aqueles, expressa e implicitamente, colocados na Constituição Federal. Não há,
pois, como estender tais direitos indefinidamente, além do que esteja implícito na Constituição, por
decorrer de seus princípios, que não podem, também, ser alterados16.
Por fim, os privilégios adquiridos pelos servidores públicos não constituem direitos e garantias
individuais contra a sociedade, nem direitos adquiridos de quem a ela deve servir. Se houver um choque e
o ônus do custo, para a sociedade, implicar a impossibilidade de assegurar alguns desses direitos sociais
fundamentais, tais como a existência digna, educação, saúde etc., à evidência, hão de prevalecer os
direitos da sociedade sobre os dos servidores, não lhes garantindo, a Constituição, privilégios que àquela
O Presidente, uma vez eleito, é titular absoluto e irresponsável por seu mandato, nomeando
ministros e auxiliares, sem qualquer necessidade de controle e à revelia da vontade popular, eis que o
eleitor que o escolhe tem os seus direitos políticos restritos ao voto periódico e nada mais.
Com pertinência, RAUL PILLA entendia ser o presidencialismo sistema de governo de
``irresponsabilidade a prazo certo''. Uma vez eleito o Presidente da República, o povo deveria suportá-lo,
bom ou mau, até o fim do mandato. Se muito ruim, apenas a ruptura institucional poderia viabilizar sua
substituição, posto que a figura do impeachment é aplicável somente à inidoneidade administrativa e não
à incompetência.
Contrariamente, o parlamentarismo é o sistema de governo da ``responsabilidade a prazo
incerto''. O governo apenas se mantém enquanto merecer a confiança do eleitor. Se não, será substituído,
com a crise política encontrando remédio institucional para sua solução.
Durante a guerra das Malvinas, a primeira-ministra da Inglaterra era obrigada a comparecer
diariamente ao Parlamento para prestar contas de sua ação. Se perdesse a guerra, seria derrubada e
substituída por um outro ministro, visto que a responsabilidade é a nota principal do parlamentarismo. O
Presidente da Argentina, por seu lado, ofertava as informações que desejava ao povo, sem a
responsabilidade de dizer a verdade, visto que se sentia livre para ``fabricá-la''. A derrota argentina
provocou seu afastamento, através de ruptura institucional, à falta de mecanismos capazes de
equacionarem tais crises no sistema presidencial.
O sistema parlamentar é, por outro lado, sistema conquistado pelo povo. Nasce de suas
aspirações e reivindicações. Assim foi na Inglaterra e em todos os países em que se instalou.
O presidencialismo, pelos seus resquícios monárquicos, posto que o Presidente da República é
um monarca não vitalício, constitui-se em sistema outorgado pelas elites dominantes, que sobre
escolherem entre elas aqueles nomes que serão ofertados à disputa eleitoral, necessitam do eleitor
apenas para sua indicação.
Em outras palavras, no sistema parlamentar o eleitor controla o Parlamento e este controla o governo,
durante o mandato legislativo. No sistema presidencial, sobre não ter o eleitor o poder de escolha de uma
gama variada de candidatos, mas somente entre os poucos elencados pela elite, sua participação política
resume-se, exclusivamente, no depósito de um voto na urna e nada mais'' (``Parlamentarismo ou
Presidencialismo?'', vol. II, Ed. Forense, 1987, págs. 95 a 101).
16 CELSO BASTOS ensina: ``Este preceito vem se repetindo na nossa Constituição desde 1891. Sua
inspiração encontra-se na Constituição dos Estados Unidos, que diz: ``A enumeração de certos direitos na
Constituição não deverá ser interpretada como anulando ou restringindo outros direitos conservados pelo
povo''. O dispositivo americano fazia muito sentido, sobretudo em face da concepção jusnaturalista sobre
o direito então vigorante. O que se queria dizer é que o esquecimento ou a deliberada não-inclusão de
direitos já reconhecidos em nível de costumes não implicava uma revogação da Carta Magna.
Na nossa, a significação é um tanto diferente, porque a referência não é feita aos ``direitos
conservados pelo povo'', mas sim a outros, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO expõe de forma precisa o alcance do preceito: ``O dispositivo
em exame significa simplesmente que a Constituição brasileira ao enumerar os direitos fundamentais não
pretende ser exaustiva. Por isso, além desses direitos explicitamente reconhecidos, admite existirem
outros, decorrentes dos regimes e dos princípios que ela adota, os quais implicitamente reconhece'' (cf.
``Comentários à Constituição Brasileira'', 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1983, pág. 632)'' (``Comentários à
Constituição do Brasil'', 2º vol., Saraiva, 1989, págs. 394/395).
se sobreponham. E mesmo que houvesse dispositivos em outro sentido, no conflito, haveria de prevalecer
o interesse da sociedade sobre os daqueles que a devem servir17.
São estes alguns dos aspectos que trago à reflexão dos estudiosos18.
17 Escrevi: ``HART, pensador jurídico inglês, em seu mais famoso livro, ``The concept of law'', faz
observação cuja meditação se impõe a juristas, filósofos, sociólogos e cientistas políticos. Declara que a
lei é feita pelos governantes para ser obedecida pelos governantes e pelos governados, mas como é feita
pelos governantes, quase sempre é apenas exigida dos governados. BAIER (``The moral point of view'')
adota idêntica postura.
A nova classe ociosa sabe que HART e BAIER têm razão. Faz as leis para que se diga que o
Estado em que se vive é um Estado de Direito, mas não as cumpre, sentindo-se no direito supremo de
interpretá-las, à sua conveniência exclusiva. Sempre que a nova classe ociosa não respeita as leis, seu
argumento é de que as leis estão moribundas, são apenas formais e injustas, valendo mais a
``legitimidade'' de seu descumprimento, que a ``iniqüidade'' de seu cumprimento.
A nova classe ociosa está, pois, acima da lei. Se a classe não ociosa, que se encontra na escala
social inferior, cumpre a lei, não aceitando a desobediência civil dos governantes e nem aceitando a
preten dida ``legitimidade'' ao descumprimento, os integradores do poder e dos políticos consideram-na
traidora, contrária aos altos desígnios que levam o estamento estatal a descumprir a lei, qual seja, a de se
manter no poder.
De tal forma, o cumprimento da lei pela classe não ociosa (trabalhadores e empresários) é
sempre ato de lesa-majestade, se a vontade da classe ociosa for descumprir aquelas normas que lhe são
incômodas, porque protetoras de direitos e garantias dos cidadãos'' (``A nova classe ociosa'', vol . III, Ed.
Forense, 1987, págs. 22/23).
18 ARNOLDO WALD sobre a crise do direito ensina: ``Se há um consenso no mundo moderno é o que se
refere à crise que atravessamos, na qual se reconhece que o homem não mais está aparelhado para
prever, prevenir ou planejar. ``Era da incerteza'' para alguns, da ``descontinuidade'' para outros, ``declínio
do Ocidente'' para os filósofos, mudança de escala de valores para os sociólogos, ruptura de um equilíbrio
para os economistas, todas as definições nos levam a conclui r que passamos de uma fase de convicções
absolutas e de realidades permanentes para uma época na qual tudo é relativo e se modifica de modo
permanente, com uma velocidade jamais conhecida dos nossos antepassados'' (``A Correção Monetária
no Direito Brasileiro'', Ed. Saraiva, 1983, pág. 9).
Ives Gandra da Silva Martins
Revista do ministério público do trabalho, 2º sem, set. 1992. Disponível em
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